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fev
O trabalho psicopedagógico é realizado com crianças e adolescentes que apresentam diferentes graus de dificuldade na aquisição do sistema de Leitura-Escrita e da Matemática. Vários fatores, internos e externos, podem ajudar ou a prejudicar esse desenvolvimento como os aspectos físicos (neurológicos, visuais, auditivos) e psicológicos (da pessoa, família e ambiente).
Algumas delas podem vir a apresentar a Dislexia com diferentes gradações. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) “A característica essencial é um comprometimento específico e significativo do desenvolvimento das habilidades da leitura, não atribuíveis exclusivamente à idade mental, a transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada. A capacidade de compreensão da leitura, o reconhecimento das palavras, a leitura oral e o desempenho de tarefas que necessitam da leitura podem estar comprometidos. O transtorno específico da leitura se acompanha frequentemente de dificuldades de soletração, persistindo comumente na adolescência, mesmo quando a criança tiver feito alguns progressos na leitura…”
No processo de superação dessas dificuldades, o envolvimento do psicopedagogo é fundamental. Fazer com que a criança perceba e introjete as relações por vezes tão díspares entre os fonemas (sons) e os grafemas (letras) na formação das palavras, frases e textos é um dos objetivos do trabalho. Para essas crianças, maior ainda é a dificuldade quando o objetivo é a inferência de regras gramaticais, importantes para a decodificação da escrita e a leitura.
A descoberta de semelhanças e diferenças entre a escrita das palavras deve ter o propósito de inferir e formular ideias e pensamentos sobre o sistema fonológico.
Trabalhar com a acentuação das palavras requer que a criança já tenha superado as principais trocas ortográficas auditivas e visuais; mas não se pode esperar que tenha conseguido atingir um padrão de normalidade dos erros ortográficos (muitos disléxicos permanecem com trocas na vida adulta).
Como exemplificação do trabalho a ser realizado pelo psicopedagogo, sugiro uma atividade para a descoberta de parte das Regras de Acentuação.
Para a concretização da atividade, é importante se assegurar que a criança tem condições de separar as sílabas das palavras. Várias atividades poderão ser propostas como as tradicionais “bater palmas a cada sílaba da palavra”, como as atividades online onde os resultados e avanços podem ser mensurados.
Outro pressuposto para essa atividade é a percepção de que a criança consegue identificar a tonicidade (sílaba mais forte) da palavra. Para isso, a criança deve perceber que nas palavras com mais de uma sílaba, sempre haverá uma que será pronunciada com maior intensidade de som.
Uma atividade bastante usual para esse trabalho é pedir que a criança brinque de Vocativo (“chamar com entonação”) qualquer palavra dada, como se fosse o nome de alguém. Fazer com que perceba que existem sílabas dessa palavra em que a voz demora mais que as outras; essa é a sílaba tônica.
Devem-se pesquisar e escrever diversas palavras já separadas em sílabas e pedir para que marquem a tonicidade, de preferência sem acento. Fazer com que perceba que por vezes é na última sílaba; outras na penúltima e na antepenúltima. Deixar a possibilidade da percepção da existência de mais possibilidades que não sejam essas três. Caso seja possível, nomeá-las gramaticalmente como oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Antes do prosseguimento da atividade, devem-se fazer vários jogos orais e com o uso de palavras escritas para a certificação dessa etapa.
Uma das possibilidades é começarmos pela inferência da Regra de Acentuação de Palavras Paroxítonas. Para isso, vamos usar a música Aquarela de Vinícius de Morais e Toquinho. A sugestão é a de ouvir a canção e tentar acompanhar com a letra.
Aquarela
Toquinho
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão
E me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos
Tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando, contornando
A imensa curva norte-sul
Vou com ela viajando
Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Branco navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo
Um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo
Sereno e lindo
E se a gente quiser
Ele vai pousar
Numa folha qualquer
Eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida
De uma América a outra
Consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente a esperar
Pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda nossa vida
E Depois convida
A rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela que um dia enfim
Descolorirá
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
Que descolorirá
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Que descolorirá
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
Que descolorirá
O objetivo é o de perceber que existem palavras paroxítonas que não são acentuadas e quais são as suas terminações. Para isso deve-se escolher uma ou mais estrofes. Como exemplo, pegaremos as duas primeiras:
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão
E me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos
Tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota a voar no céu
A atividade é a de perceber qual, ou quais palavras estão acentuadas; nesse caso, temos as palavras “fácil”; “lápis”; “céu” (o til da palavra “mão” não representa um acento, mas um traço de nasalização).
Pedir para a criança passar um traço abaixo das palavras paroxítonas que estão sem acento, ou seja, aquelas em que a sílaba tônica é a penúltima. A resposta deverá ser: numa; folha; desenho; amarelo; cinco; retas; castelo; corro; torno; luva; faço; chover; riscos;tenho;guarda-chuva; pinguinho; tinta; pedacinho ;instante; imagino; uma; linda; gaivota.
Depois, pedir que a criança passe um traço sobre a última letra da palavra (retirando o “s” da palavra que estiver no plural). São essas: “a”;”e”;“o”.
Solicitar que a criança escreva essa parte da Regra de Acentuação das Paroxítonas.
A seguir, pedir uma lista de palavras oxítonas acentuadas. Como exemplo, temos: sofá; café; cipó; dentre outras. Pedir para que faça a relação entre as palavras oxítonas e paroxítonas terminadas com essas vogais, e escreva essa parte da Regra de Acentuação. Por exemplo: Devem-se acentuar as palavras oxítonas terminadas em “a”;”e”;”o”; mas quando são palavras paroxítonas, não se acentua.
Para o trabalho com as proparoxítonas o objetivo é o de perceber se existem ou não palavras sem acento, ou se é obrigatório o uso do mesmo. Selecionar a letra e música de Construção, de Chico Buarque de Holanda.
Letra da música Construção (Chico Buarque).
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá
dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague.
________________________________________________________________
Depois de ouvi-la, pedir que selecione as proparoxítonas não acentuadas. A resposta será a inexistência das mesmas. Perceber que nesse caso, as palavras também terminam com as mesmas vogais, mas todas são acentuadas. Solicitar que escreva essa Regra de Acentuação.
Esse trabalho psicopedagógico de descoberta e interiorização das Regras de Acentuação deverá ser feito utilizando outros meios escritos como textos, poesias, história em quadrinhos.
O mais importante a ser salientado é a postura de descoberta e a organização das ideias na formulação de conceitos. Esse trabalho visa a expandir esse tipo de atitude para as demais formas de aprendizado, fazendo com que a criança, portadora ou não de transtornos, consiga desenvolver uma metodologia particular frente ao aprender e a vida.
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